O Conceito de CRAQUE

Ao longo da vasta história do futebol, muitos jogadores foram chamados de "craques" da bola. Quando esse termo é usado, rapidamente todos entendem, como numa troca de olhares entre amantes apaixonados ou pais zangados com seus filhos, suficientes para evidenciar as intenções e pensamentos entre esses. Mas afinal, o que esse termo significa? Teria sido ele deturpado de seu sentido original? Porque goleiros raramente são chamados de craques?

Buscando definir melhor o conceito de craque de uma forma despretensiosa porém um pouco mais objetiva além das definições clichês(embora verossímeis) como "aquele que se destaca no jogo e chama a responsabilidade para si", resolvi escrever sobre o tema. No entanto, é bom salientar que essa não é uma verdade absoluta, tampouco científica, a intenção é esclarecer, mas principalmente despertar no leitor a reflexão sobre esse aspecto do futebol, na visão de mais um apaixonado pelo mesmo.

Em primeiro lugar, dividiremos os jogadores em quatro categorias: os 'normais e/ou medianos; os 'bons', os craques e os gênios.

Os normais cumprem as funções mínimas de um jogador de futebol: passe, chute, marcação, defesa, cabeceio, etc. Sem brilhantismos e costumando errar essas funções durante um jogo. Os bons, além de executá-las com mais eficiência, possuem ainda outros recursos como o bom posicionamento e alguns dribles, com eventuais momentos de craques, embora não frequentes.

A frequência é um indicador indissociável para determinar as qualidades de um jogador. Você não será considerado um grande batedor de faltas se marcar um gol a cada quinze cobranças, a menos que leve um grande perigo em 80% delas. Outro fator comum aos craques não é apenas saber executar jogadas de complexidade, mas fazê-las no momento certo. É nesse ponto que entra em jogo a "firula", tão criticada pela imprensa futebolística.

O futebol - como qualquer jogo, mas vou me valer aqui especialmente do xadrez - é um intenso jogo de raciocínio e estudo, de jogadas calculadas, previsíveis e imprevisíveis, que desconcertam o adversário psicologicamente.

A premissa que diz "...O bom e talentoso é aquele que acerta o alvo que ninguém acerta. Craque é aquele que acerta o alvo que ninguém viu.." se mostra correta. O craque vai fazer um lançamento para aquele jogador que só ele viu livre. Nem a defesa de frente conseguiu enxergá-lo.

O zagueiro craque, o goleiro, etc, é aquele que prevê jogadas e se prontifica para evitá-las, infelizmente sem o devido reconhecimento, talvez pelo fato do gol ser o objetivo primordial desse esporte.

Os gênios são os que fizeram jogadas de craques com uma frequência fora do comum devido à sua rapidez de raciocínio, inventaram jogadas e dominaram várias funções no campo - inversamente aqueles que são expepcionais em habilidades específicas como cobranças de falta(Marcos Assunção, J. Pernambucano), cruzamentos(Arce).

Para exemplificar melhor, vamos lembrar de um dos lances mais geniais da história: o drible de Pelé no goleiro uruguaio Mazurkiewicz, em 1970.

Nos colocamos no lugar do goleiro. O que ele teria pensado na hora? "Ou ele vai dar um corte pro lado e tentar me driblar ou vai tentar finalizar na minha saída. Talvez até com um toque por cima, quem sabe?" Então se prepara p/ a capacidade de execução do lance que tinha Pelé, mas indubitavelmente incapaz de prever o que seria feito.

Pelé pensou o que ninguém pensaria. Ninguém. Como um experiente jogador de xadrez, preveu o que se passava na mente do oponente, o que ele poderia fazer. "Vou deixar a bola passar porque esse goleiro vai achar ou que eu vou tocar na saída dele ou tentar o drible". Acontece o lance. Pelé dá um cheque no goleiro, que fica desnorteado, sem reação nem pra tentar voltar, nem pra fazer a falta.

E o que dizer do drible da vaca de costas de Dennis Bergkamp? Da invenção do drible do elástico e da aprimoração desse por Rivellino? São inúmeros outros exemplos.


Muitos argumentam que o termo craque teria sido deturpado ao longo do tempo. O que aconteceu na verdade foi que um sem número de jogadas foram estudadas e decoradas, os esquemas táticos tornaram os jogos mais densos e os espaços diminuíram. Mas eles sempre aparecerão, seja qual for o tempo, para a graça dos apreciadores do futebol arte.